quarta-feira, 4 de abril de 2018

FICAR EM SILÊNCIO E CAMINHAR

FILÓSOFO DEFENDE A IMPORTÂNCIA DE FICAR EM SILÊNCIO E CAMINHAR


O pensador francês, autor de livros como El silencio e Elogio del caminar, descreve o seu ideário nesta entrevista concedida ao Grupo Joly, antes de pronunciar uma conferência em La Térmica.

O pensador francês David Le Breton é doutor em Sociologia pela Universidade Paris VII e professor na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Ciências Humanas Marc Bloch, de Estrasburgo. Ele publicou recentemente um livro chamado El silencioElogio del caminar e Desaparecer de sí: una tentación contemporánea, no qual afira que, a fim de combatermos a desumanização dos dias atuais, é preciso apostar em formas concretas de resistência.

Boa parte da nossa relação com o ruído procede do desenvolvimento tecnológico, especialmente em seu caráter mais portátil: sempre carregamos conosco dispositivos que nos recordam que estamos conectados, que nos avisam quando recebemos uma mensagem, que organizam os nossos horários com base no ruído. Esta circunstância veio incorporar-se às que já haviam tomado forma no século XX como hábitos contrários ao silêncio, especialmente nas grandes cidades, governadas pelo tráfego de veículos e por numerosas variedades de contaminação acústica. Neste contexto, o silêncio implica uma forma de resistência, uma maneira de manter a salvo uma dimensão interior frente às agressões externas. O silêncio permite-nos ser conscientes da conexão que mantemos com esse espaço interior, o silêncio a visibiliza, enquanto o ruído a esconde. Outra maneira de nos conectarmos com o nosso interior é o caminhar, que transcorre no mesmo silêncio. O maior problema, provavelmente, é que a comunicação eliminou os mecanismos próprios da conversação e se tornou altamente utilitarista com base nos dispositivos portáteis. E a pressão psicológica que suportamos para armazená-los é enorme.

O pensador destaca que diferentes culturas tendem a encarar o silêncio de maneira diferente. Por exemplo, na tradição japonesa existe uma noção muito importante de disciplina interior, cristalizada em sistemas de pensamento como a filosofia Zen.

O silêncio é a expressão mais verdadeira e efetiva das coisas inomináveis. E a tomada de consciência de que há determinadas experiências para as quais a linguagem não serve, ou que a linguagem não alcança, é um traço decisivo do conhecimento. Nesse sentido, tradições como a cristã, em que o silêncio é muito importante, tornam-se reveladoras: a sabedoria dirige-se a compreender o que não se pode dizer, o que transcende a linguagem. Nessa mesma tradição, o silêncio é uma via de aproximação de Deus, o que também se pode interpretar como um conhecimento. Podemos utilizar o silêncio para nos conhecermos melhor, para nos distanciarmos do ruído. E este é um valor a reivindicar no presente.

Mas como abrir espaço para o silêncio em nossas vidas? O pensador defende a meditação como uma forma de nos encontrarmos com nós mesmos, e assim criarmos um espaço de reflexão em nosso cotidiano. Para Le Breton, ter feito o caminho de Compostela foi um experiência que mudou a sua vida, nesse sentido.

"A minha melhor experiência nesse sentido, a definitiva, foi no Caminho de Santiago: quando cheguei enfim a Compostela, compreendi que eu havia me transformado completamente, depois de numerosos dias em marcha e em absoluto silêncio. Foi um renascimento."

Além do silêncio, o pensador defende a livre caminhada ou, como ele gosta de chamar, o vagar sem uma meta concreta.

Caminhar é outra forma de tomar consciência de si, de reparar no próprio corpo, na respiração, no silêncio interior. Na Idade Média havia aqueles que se dispunham intensamente a caminhar no deserto. Porém, a prática do caminhar nas cidades encerra conotações relacionadas ao prazer. Trata-se de desfrutar daquilo que você percebe, de se deleitar com os atrativos que a cidade lhe oferece pelos sentidos. É uma atividade hedonista.

O pensador comenta que atualmente o planejamento das cidades parece se opor cada vez mais ao ato de caminhar sem rumo, pois cria obstáculos à caminhada, sob a figura de shoppings e outros centros comerciais.

O fato de caminhar por suas ruas sem nenhum interesse em comprar ou em gastar dinheiro, somente em vagar sem rumo, daqui até ali, porque sim, também é uma forma de deixá-las mais humanas, de rebelar-se contra as ordens que convertem todas e cada uma das interações humanas num processo econômico.

Para o pensador francês, é possível resistir à velocidade do cotidiano e retomar controle sobre a própria vida, cultivando o silêncio e a caminhada. Em seus livros, ele aprofunda a sua reflexão e comenta como tem mantido esses hábitos em sua vida.

Extraído de https://www.maisvibes.com/ficar-em-silencio-e-caminhar-sao-hoje-em-dia-duas-formas-de-resistencia-politica/

 

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